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Em busca dos ancestrais, advogado descobre fatos históricos sobre Passos e região
Reportagem: Keuly Vianney
n.noticiar@gmail.com
13/05/2024
Há 23 anos, o advogado passense Cleyton Monteiro, de 38 anos, começou uma jornada pela história de sua família pelo grande interesse que sempre teve pela vida de seus antepassados e para descobrir qual sua verdadeira origem. Ao montar sua árvore genealógica, ele chegou a um resultado surpreendente de pessoas que estiveram ligadas a fatos históricos e curiosidades de Passos e outras cidades do Sul de Minas, como Guapé, Alpinópolis e Jacuí.
Cleyton já tem uma pesquisa robusta que abrange mil anos a partir do século 18, levantando mais de 1,2 mil nomes de familiares, os quais vieram de Portugal ainda na época do Império. Aqui, desbravaram os territórios sulmineiros, inaugurando cidades e participando ativamente da vida social, política e econômica da região.
Conforme ele, o interesse em saber de onde vinham suas raízes o acompanha desde criança. "Por volta dos 8 anos de idade, já me interessava pelas histórias da família. Recordo-me de perguntar para os meus pais e meus avós coisas simples como onde nasceram, quais os nomes de seus avós, onde estudaram. Mas a pesquisa documental começou quando eu tinha 15 anos, em 2001, depois de receber um acervo de documentos históricos, desde o século 18, que pertenceu a um tio da minha mãe, Mário Rodrigues Alves. Ele já havia começado a pesquisa genealógica e preservado vários documentos e fotografias importantes", conta o advogado que deixou a advocacia em 2017 e, atualmente, mora em Rio Claro (SP), onde é servidor público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Documentos e fotos da família de Cleyton; ele sempre pesquisa para descobrir novos personagens / Fotos: Divulgação
E lá se vão duas décadas correndo atrás de documentos, fazendo pesquisas, comparando dados, localizando certidões, recuperando fotos, lendo testamentos escritos à mão, conversando com familiares e conhecidos. Tudo para conseguir mais alguma informação para completar o quebra-cabeça genealógico.
Neste ano, Cleyton montou sua primeira árvore genealógica mais completa com 20 gerações de familiares. "Acima do pentavô, a genealogia denomina todos como quintavô ou quintavó", explica.
Veja vídeo que o advogado enviou especialmente ao Noticiar.net falando sobre a importância de preservação da história e da memória familiar, e ainda algumas dicas para quem pretende se aventurar na busca de sua ancestralidade:
As principais histórias e achados familiares de Monteiro
A partir deste rico material bibliográfico, o passense descobriu os principais achados familiares, que se vinculam à história de povoamento no Sul de Minas, em Passos e região. Em 2014, ele destacava quatro personagens importantes e, com o avanço na pesquisa de 10 anos, hoje já são oito figuras que merecem ter suas histórias lembradas e divulgadas.
"Foram tantas descobertas especiais ao longo de todos estes anos. Tenho muito orgulho de todos os meus antepassados, mas dentre eles tem uma figura que me chama muita atenção por sua atuação social, política, religiosa, feminista, empreendedora: Anna Maria Rodrigues Alves, Donana Alves, minha tataravó pelo lado materno. No século 19, ela foi uma mulher muito à frente de seu tempo, independente, atuante. Guardo os testamentos originais dela e de meu trisavô, delegado Francisco Alves Barbosa", conta o advogado.
Confira abaixo alguns familiares de Cleyton que têm ligação com Passos e o Sul de Minas:
Júlia Maria da Caridade (7ª avó de Cleyton Monteiro): nasceu em 1707 no arquipélago dos Açores, em Portugal, filha de Manuel Gonçalves Correia, O Burgão, e de Maria Nunes. Com sua família, foi convidada pelo Rei João V de Portugal (bisavô de Dom Pedro I) para colonizar o Brasil, durante o século 18, estabelecendo-se em São João del-Rei (Minas Gerais).
Lá, casou-se com Diogo Garcia em 1724, com quem teve 14 filhos. Julia mandou construir a Capela de Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco no início do século 18, em Carrancas, hoje tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Família dos ator passense Selton Mello tem ascendência de Júlia Maria da Caridade, de origem portuguesa / Reprodução
"A sua ascendência tem ligação com Passos, como os artistas Danton Mello e Selton Mello, que são descendentes de um dos 14 filhos de Júlia Maria da Caridade, no caso Maria Clara do Espírito Santo, tanto por parte de mãe, quanto por parte de pai, pois a rede de endogamia (casamento entre primos de primeiro grau) era comum na época", diz Cleyton.
Capitão Mateus Luiz Garcia (6º avô de Cleyton Monteiro) (1750-1824): foi um grande fazendeiro do Sul de Minas, filho de Júlia Maria da Caridade. É tronco de diversas famílias brasileiras como Garcias, Carvalhos, Vilelas, Monteiros, Figueiredos, etc. É um dos fundadores da cidade de Nepomuceno em Minas Gerais.
Januário Garcia Leal, o “Sete Orelhas” (primo do Capitão Mateus Luiz Garcia e neto de Julia Maria da Caridade): fazendeiro que vivia numa propriedade da Ventania, hoje Alpinópolis, juntamente com família e escravos. A versão sobre a vida dele surgiu em 1836, no livro The History of Brazil, de John Armitage, e foi replicada ganhando ares de verdadeira, sendo amparada em documentos manuscritos falsificados.
Ganhou este nome devido a um acontecimento trágico: a morte de seu irmão João Garcia Leal, surpreendido em Sorocaba (SP) por sete homens e atado nu em uma árvore, sendo assassinado a sangue frio e esfolado, com retirada lenta de toda pele do corpo.
Com a indiferença de órgãos da época colonial, que deixaram impune os homicidas, Januário se associou a seu irmão caçula Salvador Garcia Leal e ao primo, Mateus Luís Garcia, para sentenciar os criminosos.
Numa perseguição atroz e justiça feita pelas próprias mãos, sob autorização da coroa portuguesa, o grupo resolveu decepar uma orelha de cada criminoso, juntando-as num macabro cordão a ser publicamente exibido como troféu pelos vingadores.
Somente depois de decepada a última orelha dos criminosos é que Januário deu-se por satisfeito. Ele e seu bando sacudiram a Capitania de Minas Gerais, sobrepuseram-se às autoridades policiais e judiciárias e colocaram em risco a soberania do Estado Português.
Sesmeiro Felisberto Martins Arruda, o Moço (quinto avô de Cleyton Monteiro): filho do português Felisberto Martins Arruda, o Velho, recebeu enorme sesmaria da coroa portuguesa, a qual tinha por divisas os rios Grande e Sapucaí, entre Passos e Guapé.
Por promessa, doou em 1839 terras para o patrimônio de São Francisco de Assis do Agoapé, a fim de se construir uma capela. Dessa doação nasceu o arraial de Guapé que passou a distrito em 1856, com a designação de São Francisco Rio Grande.
Flávio Antônio Barbosa da Costa (tetravô de Cleyton Monteiro): nasceu em 1797 em Guapé filho de Antônio Barbosa Passos e Maria da Costa. Casou-se em 1820 com Josefa Rodrigues de Sousa (filha de Felisberto Martins Arruda, fundador de Guapé, e Felícia Rodrigues de Sousa). Ele e o irmão eram herdeiros do pasto de entreposto no Arraial da Capoeira, doado ao Patrimônio do Senhor dos Passos em 1829.
O pasto era considerado cerrado e íngreme, findando-se com o ribeirão do oiro, sem valor de venda. Recebido de Antônio Barbosa Passos por legado, foi doado para construção da nova capela dedicada so Senhor Bom Jesus dos Passos, cujo arraial passaria à vila, elevando à cidade de Passos em 1858.
Donana era de Guapé e foi considerada uma mulher à frente de seu tempo
Anna Maria Rodrigues Alves (Donana Alves, trisavó de Cleyton Monteiro) (1865-1951): nasceu em Guapé filha de pais da aristrocracia agrária, sendo senhora de engenho no Império e industrial na República. Era abolicionista e próxima da família imperial, considerada uma mulher à frente de seu tempo. Indenizou seus escravos com terras e casas, mesmo antes de alguém fazer isso na região. Ela e o marido, Francisco Alves Barbosa, eram proprietários da Fazenda Pedra Branca, no município de São Francisco de Aguapé que, posteriormente, tornou-se Guapé.
Na região, foi uma das primeiras a possuir luz elétrica e telefone em casa, depois de uma audiência em 1889 com o imperador Dom Pedro II, quando ela solicitou a instalação dos fios telefônicos em Guapé. Devido à postura de Donana, o monarca a presenteou com um aparelho de telefone, fabricado nos Estados Unidos.
Era dona de parte do Bairro dos Alves, que fazia divisa com a cidade de Capitólio. O que antes era fazenda da família, tornou-se bairro rural, habitado por seus descendentes até os anos 1960, quando as águas da Represa de Furnas encobriram propriedades, com os moradores se mudando para a nova Guapé ou cidades circunvizinhas.
Na Fazenda Pedra Branca, ela administrava dois engenhos de cana de açúcar e criava gado. Sua morte em 1951 marcou a história da cidade e a população ficou em luto. Em sua homenagem, a Prefeitura de Guapé denominou uma rua da cidade com seu nome e seu túmulo é tombado pelo patrimônio histórico local.
Coronel Francisco Antônio Monteiro (trisavô de Cleyton Monteiro): nascido no Porto em 1850, em Portugal, e imigrou ainda criança com seus pais e irmãos para o Brasil. Filho primogênito de Antônio Monteiro Coimbra e Rosa Maria Monteiro, ficou órfão aos 12 anos, assumindo responsabilidade da família. Estabeleceu-se em Boa Esperança, no Sul de Minas, para administrar uma fazenda.
Casou-se em 1874 com Vitória Maria Monteiro, filha do Coronel Joaquim José Silva Serra, e tiveram 21 filhos. Foi um dos benfeitores e anfitriões da família imperial quando da sua passagem pelo sul de Minas em 1886. O coronel e um grupo de fazendeiros construíram um palacete em Jacuí para hospedar a família de Dom Pedro II.
Casa em Jacuí onde a família imperial de Dom Pedro II se hospedou; no detalhe, foto de Francisco Monteiro
A construção começou 10 anos antes da visita e foram utilizados os melhores materiais da época, com ferragens e louças vindas da França e Inglaterra. Como anfitrião, hospedou a família imperial por quatro dias, além de um grande baile em homenagem aos monarcas.
Após a partida da família imperial, o casarão tornou-se cassino para deleite dos fazendeiros da região. O imóvel foi adquirido pelo Banco do Brasil, mas depois acabou demolido.
Oscar Cândido Monteiro (bisavô de Cleyton Monteiro) (1910-1997): filho do casal Francisco Antônio Monteiro e Vitória Maria Monteiro nasceu em Passos. Casou-se em 1932 com Ana Barbosa Monteiro, Dona Sianinha, filha de Antônio Belchior Barbosa e Maria Honorata Fernandes Gandra. O casal teve sete filhos.
Fazendeiro e comerciante próspero, foi proprietário da Fazenda Sant’Ana, entre Passos e Jacuí, com mais de 1.200 hectares, uma das maiores da região. Em Passos, juntamente com seu filho Cério Tiso e o prefeito José Figueiredo, idealizou a primeira Cohab da cidade na década de 1980, a qual foi construída em terras de sua propriedade, onde hoje é a avenida Liquinha Silveira, no Bairro da Penha.
Em sua homenagem, foi dado seu nome à rua onde se instalou a Faculdade de Medicina Atenas em Passos.
Fazenda Sant'Ana, de Oscar Monteiro; ele cedeu área para construção da primeira Cohab de Passos, no bairro Penha; no detalhe, Oscar e filha Clelia Monteiro, que atua no teatro de Passos
Advogado Cleyton também amealha objetos antigos de família
E a saga genealógica vai continuar...
Cleyton garante que vai continuar pesquisando para saber mais sobre seus antepassados. No início da pesquisa, as informações chegavam apenas até os trisavós, que são quatro gerações atrás.
"Isso acontece com praticamente todos que embarcam nessa saga genealógica, pois os trisavós são os avós dos nossos avós e, assim como nós temos memórias dos nossos avós, eles também têm dos deles. É a chamada memória oral. Com o decorrer dos anos, com as pesquisas documentais, começamos a descobrir os tetravós, pentavós, etc. Geralmente, os trisavós de uma pessoa adulta hoje em dia estão situados em meados do século 19. Já os pentavós, por exemplo, no século 18. Os meus pentavós, os descobri recentemente", explica.