LITERATURA
Memorialista homenageado na 8ª FliPassos conquista leitores de várias gerações
Reportagem: Keuly Vianney
n.noticiar@gmail.com
18/08/2024
A 8ª Feira Literária de Passos (FliPassos) começa nesta segunda-feira, 19 de agosto, homenageando um escritor conhecido na cidade por utilizar em seus livros uma envolvente linguagem coloquial e simples, falada no dia a dia, e não aquela rebuscada e cheia de palavras eruditas. O passense Sebastião Wenceslau Borges, 78 anos, já tem quatro livros publicados, todos na linha memorialista, sendo um dos poucos que se dedicam a escrever sobre memórias da cidade, principalmente as lembranças afetivas de um tempo saudoso que conquista leitores de várias gerações.
Em entrevista ao Noticiar, o escritor mostrou-se surpreso por ser o homenageado nesta edição da FliPassos. "Fiquei surpreso e extremamente feliz. Participei de todas as edições da FliPassos, fui homenageado com um momento de bate-papo nos anos anteriores, mas nunca imaginei ser o homenageado em 2024. Muito grato aos organizadores", diz. (veja abaixo programação gratuita da feira até o dia 23 de agosto, divulgada pelas Secretarias Municipais de Educação e Cultura de Passos)
Antes mesmo de ser escritor, Sebastião ficou conhecido em Passos por trabalhar 58 anos como sapateiro. De família simples, viveu sua infância no bairro Penha e, desde menino, aprendeu a arte de produzir calçados. Ali, na sapataria, passava horas em contato com pessoas de todos os níveis sociais. "Trabalhava e ficava “proseando” com fregueses, “memoriando” fatos e causos. Daí saíram os títulos das duas minhas primeiras obras", conta.
Em 2002, incentivado pelos filhos lançou seu primeiro livro, Memoriando, o qual voltou numa edição especial 10 anos depois devido ao sucesso entre os leitores. Em 2014, saiu Proseando, seguido de Férias na Roça (2018) e Tempo do Tempo (2023). Todos resgatando memórias e momentos bem marcados na vida e nas lembranças não só de Sebastião, mas também de muitos passenses.
Homem caseiro, hoje Sebastião passa a maior parte do tempo em casa cuidando da família e amealhando histórias e obras antigas da cidade, pois é partir desse acervo que também revitaliza suas memórias, que são o grande mote de seus livros. Leia abaixo a entrevista com o escritor:
Noticiar: O que o levou a escrever sobre memórias e como iniciou os escritos com suas lembranças?
Sebastião Borges: "Sempre trabalhei em meio a muitas pessoas e sempre gostei de ouvir. Faço questão de deixar esse ensinamento a todos e talvez seja isso que o mundo precise hoje: de pessoas que saibam ouvir, que ouçam com o coração e guardem na memória o que realmente tem valor nessa vida. Quando estive à frente da Sociedade São Vicente de Paulo, como vicentino e nos 14 anos em que esteve na direção do Asilo São Vicente, sempre ouvi com atenção os asilados, suas histórias, suas necessidades, suas esperanças, e isso contribuiu certamente para que meu vocabulário fosse sendo aprimorado e, assim, tocar o coração das pessoas com meus escritos."
Noticiar: Qual critério usa para selecionar as memórias a serem publicadas? Qual outra característica daria para seus escritos além das memórias?
Sebastião Borges: "Sempre gostei de escrever o que vem à minha memória. Em minhas caminhadas, sempre uso um bloquinho e vou anotando tudo que vem na cabeça, seja sobre pessoas, ruas, cidade, casos e causos, transformações ao longo do tempo. Além de memórias, já escrevi poesias para os meus netos em ocasiões especiais. Enquanto aluno da Unabem, participei de concursos e ganhei todos. Participei de várias antologias com textos contando causos, mas foi incentivado pela família que resolvi passar para o papel tudo que trazia na memória. E foi assim, sem pretensão maior, que minha primeira obra, Memoriando, foi feita com a técnica do coração, mostrando os costumes da época antiga na cidade de Passos, num tempo em que tudo corria devagar, as casas não precisavam de grades ou campainhas, as cadeiras eram colocadas na calçada e os vizinhos sempre tinham um tempinho para ver a noite chegar, se deliciando com um gostoso cafezinho."
Noticiar: Sobre as histórias que escreveu, qual delas são as mais importantes para você, como passense e escritor?
Sebastião Borges: "Cada livro tem sua particularidade. O Memoriando conta costumes de nossa cidade em minha época de menino, pelos anos de 1950. O Proseando traz causos e histórias ouvidos quando criança no salão de barbeiro de meu pai, muitas delas cômicas. Gosto muito dos textos "Um cisco no meu olho", que retrata meus anos escolares, e "Olhares orgulhosos a me contemplar", que conta sobre minha primeira comunhão. Entretanto, o meu preferido é "Férias na Roça", pois conta uma aventura e traz personagens que nos levam a fazer uma viagem maravilhosa. Já o "Tempo do Tempo", tem toda uma parte histórica, mostrando uma diversidade de fatos reais vivenciados por mim. E cada capítulo desse passado é como se fosse um presente que nos leva à reflexão. E traz ainda uma rica cronologia sobre fatos importantes de nossa cidade com acervo de fotos."
Noticiar: Ao registrar e compartilhar memórias, você acredita que traz de volta o passado, que pode servir de referência para a geração atual e futura?
Sebastião Borges: "Sim, é escrevendo o passado que mostramos nossa identidade e pensamos o futuro. Como escrevi em meu livro Memoriando: “cada época é marcada por grandes acontecimentos, que ficam para sempre registrados na memória do povo de um lugar”!"
Noticiar: Que tipo de emoção você acha que desperta nas pessoas com seus livros?
Sebastião Borges: "Memórias mexem com as pessoas. É fácil falar de memórias boas e é muito difícil falar da saudade que dói. Porém, acho importante registrar toda forma de lembranças. E acredito que foi exatamente isso que despertou o gosto das pessoas lerem meus livros."
Sebastião Borges autografando no concorrido lançamento de sua última obra, Tempo do Tempo / Divulgação
Noticiar: Quais seus projetos para os próximos anos? Ainda há muitas memórias a serem publicadas?
Sebastião: "Projetos tenho muitos, com centenas de textos publicados por um jornal local. Pretendo reunir alguns em uma obra. Também já iniciei um livro sobre língua de sapateiro, pois sou um dos pioneiros a falar esse dialeto criado aqui em Passos pelos anos de 1940 pelos sapateiros daquela época. Espero ter muita saúde para isso e terminar bem o tratamento de saúde que venho realizando para concretizar mais esses sonhos."