CURIOSIDADES

Profissões que lutam para evitar extinção em Passos
Reportagem e fotos: Keuly Vianney
n.noticiar@gmail.com
22/06/2025

Muito se fala nas novas profissões do futuro com o avanço da tecnologia. Pouco se pensa nos ofícios que lutam para evitar seu risco de extinção. Em Passos, alguns profissionais ainda preservam seu trabalho criado há séculos e, por enquanto, possuem clientela cativa, como é o caso de sapateiros, alfaiate e calígrafa (ou caligrafista).
Esse tipo de profissão preserva suas características tradicionais, sendo o modo artesanal seu principal diferencial e, muitas das vezes, vem carregada de memórias afetivas.
Uma dessas profissões chama atenção: o sapateiro, pelo fato da cidade possuir poucas sapatarias em funcionamento. Tempos atrás, o número desses estabelecimentos que consertam calçados estavam por vários bairros. Entretanto, o ofício que chegou a ter uma linguagem própria, a língua de sapateiro, viu o interesse desaparecer ao longo dos anos pela atual geração.
Os sapateiros Feliciano Cunha, de 53 anos, e Osvaldo Pedro da Silva, de 71 anos, informam que há somente cinco sapatarias funcionando hoje em Passos. Sócios há 22 anos de uma sapataria no centro da cidade, eles iniciaram na adolescência como aprendizes e, hoje, são veteranos quando o assunto é conserto de sapatos, sandálias, botas e afins.
"Quando iniciei aos 15 anos, tinha bastante sapateiro na cidade. Hoje, são só cinco sapatarias funcionando", diz Feliciano. "Trabalho como sapateiro desde os 12 anos e vi muita sapataria fechar. Em muitas cidades da região de Passos, já não existem mais sapatarias, pois pessoas de Itáu de Minas, Alpinópolis, São José da Barra e Fortaleza de Minas vêm atrás dos nossos serviços", conta Osvaldo.
.jpg)
Feliciano (esq.) e Osvaldo, que são sapateiros há mais de 40 anos e falam em extinção da profissão
Feliciano com moldes antigos de sapatos, que são usados até hoje

Eles acreditam que a profissão enfrenta processo de extinção por falta de mão de obra. "Serviço tem muito, mas ninguém quer aprender o ofício. E a tendência é reduzir bem o número de sapateiros", avaliam, lembrando que o trabalho ainda é manual e cheio de lembranças.
Ao mesmo tempo em que há pessoas que levam o calçado para consertar e não voltam para buscar, os sapateiros relembram histórias de clientes que resgatam momentos de vida com a revitalização de um sapato.
"Uma cliente nos trouxe o sapatinho de bebê do filho que tem hoje 22 anos. Ela guardou de lembrança e queria mudar o solado para dar ao neto que ia nascer. Muitos clientes também guardam o sapato como lembrança da mãe, do pai, dos avôs", contam os sapateiros, lembrando que hoje 85% dos serviços são para o público feminino e vão desde a simples troca de um taquinho até refazer o solado de botas, etc.
Bela escrita
A calígrafa Lina Léia Silveira Pádua, de 60 anos, é outra profissional que amarga tempos de raros serviços. Por 20 anos, ela se especializou em caligrafar convites de casamentos, bodas e aniversários de 15 anos, mas de um tempo para cá o meio digital vem conquistando os clientes, que têm deixando de lado o serviço de bela escrita feito com caneta de bico de pena.
Ela já chegou a caligrafar 5 mil convites/mês. Nos últimos meses, no entanto, caligafrou apenas 50 convites. "A noiva fez os convites caligrafados somente para parentes mais próximos e para guardar de lembrança. As outras pessoas foram convidadas por convite digital. Se eu atendo quatro noivas ao mês é muito", conta.
O trabalho é totalmente artesanal, pois ela usa apenas uma mesa de luz, uma caneta bico de pena e tinta nanquim (veja no vídeo abaixo ela caligrafando um convite especialmente para a reportagem do Noticiar.net).
"Comecei por acaso para ajudar uma amiga que ia casar e não tinha quem escrevesse os convites. Como em minha família todos tivemos a letra muito bonita, ofereci para fazer o trabalho. Tomei gosto pelo ofício como autodidata e, depois, me aprimorei com as técnicas do bico de pena", diz.
Para ela, a caligrafia com bino de pena deixa os convites mais elegantes, clássicos e profissionais, com uma letra mais bonita, artesanal e em alto relevo. Infelizmente, vê a tendência de extinção da profissão.
"Já considero o trabalho de caligrafia raro devido ao avanço da tecnologia e envio de convites digitais, que são mais baratos, fáceis de produzir e enviar. Vai se tornar um relíquia", avalia. "Fico triste, pois me dediquei 20 anos à caligrafia pelo prazer do trabalho. Sinto que participei de um momento feliz na vida dos casais e das famílias".
Lina ainda guarda com carinho as penas das canetas que usou e são capazes de escrever 300 convites, em média. Na caixa, estão cerca de 100 penas, as quais demonstram que ela caligrafou, pelo menos, 30 mil convites. Uma arte de bela escrita que ficará na memória das gerações passadas e os próprios organizadores de eventos na cidade vêem dificuldade em indicar caligrafistas ou calígrafos.

Penas de caneta de bico de pena guardadas com carinho por Lina
Sob medida
Outra profissão que foi desaparecendo em Passos, mas ainda sobrevive com pouquíssimos representantes é o alfaiate. O passense José dos Reis Paula, de 72 anos, mantém suas portas abertas no centro da cidade fazendo consertos em geral, pois costurar um terno completo tornou-se artigo de luxo.
"A profissão de alfaiate não acabou de tudo ainda, mas a tendência é reduzir os profissionais, pois está em processo de extinção. Conheço somente três alfaiates trabalhando hoje em Passos", diz.
Alfaiate José Reis com tesoura de época usada nos tempos áureos da alfaiataria passsense

Com uma experiência de 62 anos, entre máquinas de costura e tesoura de época, tecidos, cortes, linhas e alfinetes, ele começou a trabalhar com 10 anos como ajudante na famosa alfataria do Zé de Mola na década de 1960 na Rua Antonio Carlos. Aos 14 anos, costurou sua primeira calça, passando depois para camisas, paletós, colete e o terno completo.
Além do algodão puro, ele lembra bem dos tecidos mais usados na época, como linho 120, casimira aurora, tergal verão, algo raro na comparação com as roupas sintéticas dominantes nas confecções atuais. "Um terno com calça e paletó é feito sob medida, com duas provas, numa produção toda artesanal. Hoje, faço mais serviços de ajustes de peças e barra de calça", conta.
O alfaiate lembra que o auge da alfaiataria em Passos foi nas décadas de 1960 e 1970, começando a decair nos anos 1980, na concorrência e acesso das roupas fabricadas em série. "Pretendo atuar como alfaiate até os 80 anos, pois gosto da minha profissão. Sempre me sustentei pela alfaiataria, mas está difícil competir com as fábricas e ninguém quer aprender o ofício", completa.