BEM TOMBADO

Acervo Artístico Wagner de Castro
Ano de doação: 1988
Ano de tombamento: 2007
Estilo: Arte Espírita
Nº de obras: 66 quadros em óleo sobre tela

Descrição do bem tombado
O Acervo Artístico Wagner de Castro é uma das raras coleções no mundo de Arte Espírita — um termo para designar o trabalho de pintura desenvolvido pelo artista Wagner de Castro (1917-2015), enquanto viveu em Passos da década de 1940 até 2015. O pintor produziu uma obra densa ao transpor para as telas a filosofia do Cristianismo baseado na doutrina espírita, da qual era adepto. Por isso, tornou-se um importante patrimônio, sendo o primeiro bem móvel a ser tombado na cidade.
Todas as obras em óleo sobre tela estão instaladas em duas salas da Casa da Cultura de Passos, que fica na Praça Geraldo da Silva Maia. O acervo está em bom estado de conservação e é composto por telas pintadas pelo artista entre 1930 e 2009. Ao lado, fica o ateliê onde ele dava aulas gratuitas de pintura.

Espaço onde ficam as obras do artista Wagner de Castro, que doou todo seu acervo para município de Passos
Telas do artista levam à reflexão sobre o espírito no plano material e espiritual

Resumidamente, o artista traduziu em sua obra o conflito da alma humana, entre o espírito e o corpo, até encontrar sua libertação no plano espiritual. Retratou um homem dual, principalmente o homem-espírito, concreto e etéreo, que vive a própria tragédia e suas implicações no desencarne ou pós-morte.
No objetivo da arte de despertar e levar à reflexão, ora a pintura de Wagner de Castro encanta pela beleza estética, ora impressiona pela densidade do tema retratado nas telas.
Do ponto de vista formal, o próprio artista admitiu que sua pintura guardava reminiscências renascentistas e ligação com a estética grega. Por isso, o gosto pela nudez das figuras e o rigor estrutural das composições. Com seu estilo e traço de pintura próprios, ao mesmo tempo, é perceptível como tratou o nu de forma natural e o uso das cores de maneira primorosa e pontual.
Quando vivo, o artista explicava que não pretendia fazer inovação nas artes, mas sua obra só existia para se colocar a serviço de uma concepção de cunho espiritual cristã e de compreensão universal, principalmente a doutrina espírita, decodificada pelo francês Allan Kardec (1804-1869). Por outro lado, ele também frisava que não se tratava de pintura mediúnica.

Assinatura do artista está eternizada numa das pilastras do espaço
Quadros têm dimensões variadas e temas densos sobre a vida e o pós-morte

Apesar dos quadros estarem bem conservados, o local não é muito apropriado para receber o acervo devido ao número e o tamanho de algumas telas, que ficam muito próximas umas às outras, não valorizando a dimensão e o conjunto da obra. Na verdade, o acervo merecia um museu ou um espaço mais amplo.
O acervo está dividido em cinco séries principais, além da Miscelânea, que reúne trabalhos com temas isolados. Embora a arte possibilite uma compreensão subjetiva, num documento escrito pelo próprio artista antes de seu falecimento, ele explicou as características e detalhes de cada uma das séries, com suas respectivas telas.
Confira abaixo algumas telas emblemáticas das séries produzidas por Wagner de Castro:
Série “O Lado Oculto”

O Espelho (1982)
Série “Cósmica”

Almas Irmãs (1975)
Série “Luzes e Sombras”

O Remorso (1984)
Série “Virtudes”

Série “Contrastes”

Amor e dissipação (2004)
Piedade (1987)
"Série Miscelânea"

Queda (1961)

O Dipsomaníaco (1974)

O Solitário (1962)

Fraternidade I (1991)
Importância
Pelo fato de Wagner de Castro ter desenvolvido um estilo de pintura único, o acervo artístico do pintor possui grande valor para as artes plásticas. Muitos críticos o enquadram nas escolas artísticas do século 20, como o Simbolismo e o Surrealismo, do qual o espanhol Salvador Dalí (1904-1989) foi o maior nome.
O artista, no entanto, afastava essa associação, autodenominando seu trabalho de Arte Espírita. Já o conteúdo de sua obra é constantemente comparado ao de grandes artistas da História da Arte mundial, como o holandês Hieronymus Bosch (1450-1516) e o italiano Tintoretto (1519-1594), e ainda os que retratam cenas dantescas, como os franceses Paul Gustave Doré (1832-1883), Jean- Baptiste Carpeaux (1827-1875) e o inglês William Blake (1757-1827).
Esses artistas usavam contrastes de luz e sombra dentro de seus movimentos artísticos, como o Renascimento, Maneirismo, Barroco e Simbolismo, para retratar figuras que habitavam o inferno e o purgatório na Divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321).
Artista retratou nas telas seu conhecimento sobre doutrina espírita

Na obra de Wagner de Castro, entretanto, há uma inexorável preocupação em utilizar as artes para divulgar a doutrina espírita.
Amigo de Chico Xavier (1910-2002), considerado um dos maiores nomes do espiritismo brasileiro, recebeu dele a sugestão para pintar o umbral, região de purgatório por onde passam os espíritos após o desencarne.
Além de Passos, seus trabalhos estão presentes nos acervos permanentes de instituições renomadas, como o Museu de Artes de São Paulo (Masp), Museu Casa Guilherme de Almeida (SP), Museu do Café de Ribeirão Preto (SP), Museu de Arte da Pampulha (BH) e ainda coleções particulares no Brasil e no exterior.
História
O artista Wagner de Castro nasceu em Franca (SP) aos 27 de julho de 1917, despertando interesse pela pintura e experiência pictórica aos 11 anos. Mudou-se para São Paulo aos 20 anos, quando ingressou na Escola Belas Artes como ouvinte livre, mas logo abandonou a instituição por não se enquadrar nos conceitos acadêmicos. Com dom artístico nato, continuou a se dedicar às artes plásticas como autodidata.
No final de 1939, veio a Passos visitar os avôs maternos a convite da tia Marieta Cintra. Logo se encantou com a atmosfera do céu limpo e azul da cidade mineira, bem como de sua natureza exuberante. Mudou-se em definitivo para a cidade em 1944, ao ser aprovado em concurso público para lecionar desenho na Escola Normal Oficial.
No pequeno município de pouco mais de 30 mil habitantes na época, encontrou o lugar certo para desenvolver seu estilo de pintura, modificando o uso das cores cinzentas para claras e luminosas.

Autorretrato de Wagner de Castro jovem faz parte do acervo
A vida pacata da cidade lhe favoreceu a introspecção para temas mais filosóficos, como a doutrina espírita, da qual o artista foi um seguidor devido à abordagem cristã sobre reencarnação, plano material e espiritual.
A partir de seu estudo científico e espiritual, pintou quadros que retratam o espiritismo em sua mais pura concepção. Por isso, são comuns em sua obra temas relacionados ao plano físico e espiritual, as provações e tentações humanas, reencarnação, caridade, amor, fraternidade, vida pós-morte, dentre outros questionamentos que sempre levaram o homem à reflexão e são abordados pelo Kardecismo.

Quadros da Série Cósmica, que usa tons de azul muito peculiares
Telas também abordam temas sobre caridade e fraternidade entre os homens

Em 1953, começou a ministrar aulas em escolas estaduais de Passos, sendo nomeado como professor de desenho, trabalhos manuais e modelagem. Sua primeira exposição individual em São Paulo aconteceu em 1964 na Galeria Selearte, na badalada Rua Augusta, onde conheceu Pietro Maria Bardi (1900- 1999), então fundador e diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), considerado um dos mais importantes museus da América Latina.
Wagner de Castro e Bardi ficaram amigos e trocaram muitas correspondências para que o artista radicado em Passos participasse de exposições no museu.
Já no ano de 1964, a tela “O Círculo da Consciência” — apelidado de “O Pesadelo” — foi incorporada ao acervo permanente do Masp. Indicado por Bardi, ele participou de coletiva no Royal College Of Art, de Londres, em 1965, com o quadro “Homem, Mulher e Pássaro”, considerado o único trabalho surrealista da exposição. A mostra “Arte Brasileira de Hoje”, com mais de 200 obras de brasileiros, passou também pelo Museu de Artes Aplicadas de Viena, na Áustria.
Na década de 1980, a obra de Wagner de Castro esteve em exposição em vários locais do Brasil: na Pinacoteca Municipal de Franca (1980), novamente no Masp (1981), Palácio das Artes de Belo Horizonte e Fundação Cultural do Distrito Federal (1983), Governador Valadares (1986), Galeria de Arte do Teatro Nacional de Brasília (DF) e Museu de Arte da Pampulha em Belo Horizonte (1989).
Devido ao seu reconhecimento artístico, recebeu o título de cidadão passense em 1988, ano em que formalizou a doação de cerca de 40 telas para a cidade. Todo o acervo foi reunido no Espaço Artístico Wagner de Castro na Casa da Cultura de Passos, onde instalou o Ateliê Marieta Cintra e ministrou aulas de pintura gratuitamente.

Entrada do acervo com as placas de doação das telas em 1988 e tombamento nos anos 2000
Capa do livro no qual o próprio artista explica seu trabalho artístico

Nos anos posteriores, suas produções foram sendo incorporadas ao acervo, com catalogação do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Passos. Um maior número de telas enriqueceu a obra em 2009, quando a sua ex-esposa, Suzy Teixeira, faleceu. Ela solicitou, em vida, que os quadros de sua propriedade deviam integrar o acervo após sua morte.
Em 2011, foi publicado o livro bilíngue “Wagner de Castro — Ensaio para uma Pintura Espírita”, em português e inglês, por meio da Lei de Incentivo à Cultura e do Ministério da Cultura. O pintor faleceu em 23 de abril de 2015 na Santa Casa de Misericórdia de Passos.


Ateliê onde Wagner de Castro dava aulas de pintura gratuitas; ao lado, o jaleco e artigos pessoais do artista mantidas no local
Intervenções e restauros
O acervo de Wagner de Castro nunca recebeu restauro de outros pintores nas telas. Até o ano em que viveu, o próprio artista fazia as pequenas restaurações de suas obras, quando algum quadro apresentava problemas ou desgaste na pintura.
Além do acervo, o Ateliê Marieta Cintra também pode ser visitado. O espaço, onde o professor ministrava suas aulas gratuitas de pintura e fazia seu trabalho, permanece intacto desde o último dia em que Wagner de Castro esteve no local, com seu jaleco, objetos, livros de arte, tintas e pincéis do artista.

Funcionamento
Casa da Cultura de Passos
Endereço: Praça Geraldo da Silva Maia s/n
Dias e horários: de segunda a sexta-feira das 13h às 17h
Acesso: gratuito


O Mapa Virtual dos Bens Tombados de Passos é uma produção do site Noticiar.net, publicado em outubro de 2024 e realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, do Ministério da Cultura, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico de Passos.
Ficha técnica:
Produção, pesquisa documental, redação e edição: Keuly Vianney
Fotos: Aluísio de Souza e Keuly Vianney
Revisão: José dos Reis Santos
Webdesigner: Mariana de Lima Cruz
Agradecimentos: Marcos Roberto da Silva Costa, Afonsinho Simosono, Ivan Vasconcellos, Maurício Ponsancini, Roseymar Zaroni, Suzana Machado, Samyra Marques
Referências Bibliográficas:
____________. Dossiês de tombamento do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Passos de 1998 a 2020.
____________. 150 anos da Santa Casa de Misericórdia de Passos. Folha da Manhã. Passos (MG), 2014.
____________. 150 anos de Passos. Folha da Manhã e Fesp. Passos (MG), 2008.
____________. A História das Ferrovias no Brasil. Ministério dos Transportes, Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes. Disponível no https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/ferrovias/historico
Castro, Wagner. Ensaio para uma Pintura Espírita. Belo Horizonte (MG), 2011.
Noronha, Washington. A História de Passos. Passos (MG), 1969.
Vianney, Keuly. Câmara Municipal de Passos - 170 anos (1850-2020). Passos (MG), 2020. Edição online disponível em https://www.camarapassos.mg.gov.br/camara%20passos%203o%20relatorio.pdf